quarta-feira, 2 de julho de 2008

E agora, José?

José acordou às 5 da manhã, ou não. Estava de pé, executando aquele ritual antes de sair para a faculdade, mas talvez ainda dormisse. Sim, porque fora dormir já era mais de meia-noite, fato que se repetiu pela quinta vez consecutiva na semana, ou seja, de segunda a sexta perdendo suas noites de sono. Levando em conta que todas as suas semanas desde que começou a estudar foram assim, ele já poderia estar acostumado. E sim, a rotina o acostumou a: fazer a cama, banho, três biscoitos e café, dentes escovados, conferir caderno e classificadores e outras manias mais que possuía- coitado, tinha TOC - necessariamente nessa ordem . Já fazia tudo isso sem se dar conta, pois essas atividades já eram reguladas pelo seu sistema nervoso autônomo. Faltando uns 15 minutos para as 6 horas, quando ele descia e o porteiro do prédio lhe dava bom-dia, ele acordava de fato. Aí vinha a ammésia... "será que tá tudo aqui? Fechei a casa direito? Comi o que mesmo?".

Assim era José. Não podia ter tudo ao mesmo tempo. Ora a consciência, ora a memória. Quando esta finalmente resolvia dar o ar de sua graça, vinha a preocupação. Achava que estava tendo problemas com a memória de curto-prazo, aquela que o professor havia comentado nas aulas de sistema límbico. Coitado do José, dessa vez aperreado com seu hipocampo. Por que foste estudar neuroanatomia, José? Então ele ia rumo ao ponto de ônibus. Qual deles? A vida de José não era fácil. Tinha que refletir, ponderar, avaliar, calcular e tomar uma decisão rápido. Ou o ponto da loja de departamento, que era mais perto mas só havia uma opção ou o ponto da padaria que era um pouco mais distante mas havia, no mínimo, duas opções. Também, o trajeto do ônibus do primeiro ponto era curto, cerca de 25 ou 30 minutos, mas era superlotado enquanto que os ônibus do ponto da padaria levavam em média 40 minutos para chegar ao destino de José, mas ele sempre ia sentado e confortável pois subia no início de linha. Ultimamente, José tinha preferido ficar com o ponto da padaria, por motivos vários.

E realmente José não era dos mais sortudos. Naquele dia, justo naquele dia, em que ele não podia se atrasar, o destino pareceu conspirar, mais do que o de costume, contra o pobre estudante. Em cada ponto, subiam dez e descia um. E com isso a viagem demorava. Cada parada daquela significa 1 minuto perdido, calculava ele. De quebra o ônibus enchia de pessoas. Era como se toda a população de Salvador resolvesse tomar o Campo Grande R1, via Cardeal da Silva. Apesar da demora, José, otimista, sorria aliviado como quem pensasse "pior não pode ficar". Doce ilusão. À medida que via subir, pela porta da frente, aquela camisa xadrez vermelha sua felicidade se esvaecia. Era seu professor de estatística, idoso, que precisava de um lugar para sentar. José era educado, e mesmo que não o fosse, como evitar ceder seu assento? O tal professor tinha ido em sua direção, como quem exigisse o gesto de respeito para com os mais velhos. E ele se levantou, e lembrou que não ia com a cara do velho. Não ia bancar o cordial e conversar com ele. Puxou seu mp3 do bolso e pôs no ouvido - e é ouvido mesmo, pois só funcionava um dos fones. Mesmo assim José ia recuperando a alegria por estar prestes a viajar ao som de algum rock alternativo, mas a alegria não veio: o aparelho estava descarregado. Deixou o fone lá, mesmo sem música alguma. Pelo menos não seria mais incomodado.

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